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Poemas 4º Festival Internacional de Poesia “Grito de Mulher” 2014 em Lisboa, Portugal

Poemas 4º Festival Internacional de Poesia “Grito de Mulher” 2014 em Lisboa, Portugal, coordinado por Delmar Maia Gonçalves de Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMDIASP)








Delmar Maia Gonçalves

MULHER AFRICANA

Tu Mulher,
Que no teu ventre
Criaste vida
Tu mulher, que sofreste
Que não viveste
Que foste humilhada
Não deixes que te apontem
Olha no espelho
E sorri!
Para essa vida que é parte de ti!





Adina Worcman

Mulher Guerreira



 

Símbolo de uma nova era ,
em que nós mulheres,
sem perdermos a nossa feminilidade,
mostramos ao mundo, toda a força, a energia,
sensibilidade, benevolência e garra,
que nos impulsiona a seguir em frente,
defrontando-se a cada dia com novos desafios.
Seja na educação, na gerência ou
na direção de novos empreendimentos,
mostramos ser capazes e, acima de tudo,
prestando um grande ¨serviço¨(Mitzvá) a todos ,
que necessitam de um apoio e de uma palavra amiga,
em distinção de raça, credo e cor.





Ana Dias

GRITO DE MULHER – I



Sofrida, dorida, perdi o Norte
Mesmo que me soves de morte
Não  me calo, não aguento
Não és tu que me dás o sustento
Sou eu que luto pela minha vida
Vai, sai, parte: não há guarida!
No amor que dizes que me tens
Nem o inferno, ao diabo o pintam!
Judas vendeu Jesus por três vinténs.
Tu massacras até mais não.
Vai, antes que a fúria desponte
E eu não saiba se te ignore ou afronte.
Por uma aberração sem limites,
Não mereço grades, nem grilhões,
Mesmo que apeles e cites
Amor, compaixão, tesões.
Meu corpo cansou de tantas surras:
Sou já uma sombra nas tuas saburras!




Ana Mafalda Leite

Corpos lúcidos e opacos


o amor é

um corpo lúcido centro de imensas esferas de luz que se propagam em todas as direcções

quando a luz encontra um corpo opaco é por ele reflectida nos nossos olhos e excita em nós a ideia desse corpo formando-nos a sua pintura na retina

a imagem do amor

os corpos lúcidos não tem sombra alguma de si mesmos
são centros absolutos de luz própria que deles parte

o amor é fogo que arde

os corpos opacos são centros parciais de uma luz precária
reflectem  só uma parte da sua massa
proporcional à incidência dos raios

ficando a outra parte obscurecida na sua sombra

que arde sem se ver



Catarina Castro


Vontade de ser desassossego

Hoje quero ser a mulher que te agita, a brisa que baloiça as folhas do teu plátano ser; o crepitar incessante em teu coração, as vagas do mar a bater de encontro ao teu corpo ardente, a lufada de ar que te aquece e fustiga para depois acalmar... mas não já.

Hoje quero ser a mulher que te agita e te desassossega com a sua atitude de amadora. Depois de receberes a palavra, o teu corpo, o teu espírito, o teu pensar junto comigo despertam, reanimam, e eu, porque também sou amada suavemente admiro a várzea do teu olhar. Aquela a que me entreguei sem reservas, solta, leve, despida.



Dinorá Couto Cançado


Admiráveis mulheres





Mulheres guerreiras em quaisquer lugares

Não se esmorecem dentro de seus lares.

As mulheres do Brasil sempre me inspiram

Debatem o Festival Grito de Mulher e criam.

Assistentes, professoras, não importa a função

Foram muitas que poetizaram sua reflexão.

Na sociedade de poetas cegos em Brasília

Com a arte de ler e criar, tudo vira poesia.

Títulos como: A fortaleza da mulher, Estigma da dor

Marcas da Alma, Atitude de guerreira, com louvor.

Anita, Mulher lavadeira do céu, Mulheres feridas

Um mês com produções de mulheres queridas.

Mulher Solitária, Cidade das Mulheres e a Felicidade

Até jovens e adultos homens, não importa a idade

Produziram poemas nesta nova sociedade viva

Violência e Mulher, símbolo da vida.

Dezoito poemas especiais estarão em Lisboa

Uma mostra da arte de ler e criar dessa leoa.

Mesmo que o mundo desabe a guerreira luta

E em forma de poema mostra a sua labuta.

Um viva para as mulheres cegas do Brasil

No Distrito Federal, elas valem por mil

E dão o seu grito com um jeito admirável

Fazendo sua história de forma memorável.

 

                       

Domingas Monte





 

Quem me dera ser poetisa 

       

Quem me dera

Ser poetisa

Para poder escrever

Aqueles versos lindos

Carregados de emoção

Loucos de paixão

Arrastando beleza

Driblando a tristeza

Que me fazem sonhar

Dormir ao relento

Tremer de desejo

Ansiar noites

Para conviver com as estrelas

Quem me dera

Ser poetisa

Para falar do fogo

Que arde naquele peito

E se alastra

No meu coração

Fumega dentro de mim

Embebedou todo o meu ser

Com essas chamas

Que não querem cessar

Meu rio secou

Água do kwanza

Não bastou

Nem minhas lágrimas

Até minhas lágrimas

Que flúem do meu rosto

E correm no meu manto

Conseguem extinguir essas chamas

Quem me dera

Ser poetisa

Para poder libertar os gritos

Sufocados dentro de mim

Deixar…

Meu rio correr

Para atravessar esse teu ermo

Maravilha de welwithia

Eu vi

Com aquele cenário bonito

Parecia uma obra d’arte

Daquelas que o artista mor criou

E emoldurou na minha terra

Marcou minha gente

Maravilhou o mundo

                                                                                





Filipa Vera Jardim
 
Onde estão?


Onde estão?

Não estão Maria,
Já não estão.
Mas eram tantos...então?
Não, Maria. Não estão.
Não Maria, não eram.
Eram apenas rostos necessários, a colorir a paisagem, da tua condição.
A rir no tempo próprio, do lugar-comum.
Sem distinguirem um abraço, da necessidade de te dizerem: não!
E foram Maria, para outro palco, rir de outras coisas, com outras gentes...

Quem ficou então?

Os que esperam Maria.
Os que que voltam a esperar Maria.
E depois, corajosamente, ainda  te estendem a mão.
São esses que ficam agora Maria,
Como ficavam, então.
Riram-se e calaram-se.
Disseram-te que sim e disseram-te que não.
Zangaram-se.
Mas ficaram Maria...
Pregados de ternura, às tábuas do teu chão.
Na espera do tempo certo, no lugar exacto.

Se chorares Maria, eles chorarão.
Se te mudares Maria eles mudarão.
Se te fores Maria, eles lá estarão.
Quietos, à espera…
À espera Maria, à espera...

E os outros?
Os outros Maria, eram apenas fruto da tua imaginação.
Nunca existiram,
Apenas permaneceram.
E foram-se Maria...
E não voltam, não.
Estão lá longe Maria, no passado que não muda,
Na dobra do presente,  que já não te acolhe,
No futuro que não reconhecerás.
Mesmo que amanhã, seja dia de folia...
Eles, lá estarão.
Tu Maria, tu não,
Ficarás aqui, abraçada à tua paisagem.

E eles Maria, eles que esperem…
Por um espelho, uma imagem que seja,
Do teu pleno, coração. 



Gisela Ramos Rosa

Para todas as mulheres da Terra



As raízes da Terra dançam como pele
do mundo, elas sobem descem, procriam
são prismas iluminados que desbravam
alimentam conciliam

Elas tocam o chão com os seus pés
de água e não repousam na ambição
do húmus, em seus grãos prosseguem
já os troncos com asas de destino,
altas elevam-se em corpo, tesouro, mistério
As raízes da terra são espelhos de água
que atravessam os rios no seu leito de silêncio
são canoas com jacintos da estação
elas são a alegria côncava do mundo

Gisela Torquato Cosme

VIDA


Seca-se a erva,
Cai a flor
Assim é a vida
Breve
Muito breve.
Pinta o amor
Semeia a dor
É linda como flor:
Passageira e encantadora
Profunda e devastadora
É colorida.
Quando vivida, muito querida
Quando ameaçada
Muito escolhida
Quando sofrida, muito temida.
Seca-se a erva,
Cai a flor
Assim é a vida
Breve
Muito breve.



Goretti Pina
O poema

O pão não chega para entrar no poema.
O suor do padeiro não rima com o bolso vazio do povo
que já faz ilusionismo, malabarismo e omelete sem ovo.
Fica de fora também a manteiga.
Não cabe no poema a falta de luz eléctrica
nem a inércia de gente com responsabilidade.
Consciência para o poema, por favor!
O poema também agradece amor!
Coragem para o poema, já!
A retórica e outras tangas torram a paciência,
confundem a hipérbole, matam a metáfora.
As torneiras sem água não têm musicalidade
tal como não tem qualidade
formação sem formadores formados,
formados formadores sem amor ao trabalho
ou trabalho com esmola a fingir que é salário.
Falta à saúde ritmo para caber no poema
se as receitas são cantigas de escárnio
de médicos/as com crânio e sem meios.
Diagnósticos, prognósticos, receios
que não têm lugar no poema.
Os banhos à boca da urna,
a simples mão estendida,
a vida alheia na berlinda,
a roubalheira sem freio,
a falta de compostura,
a vergonha perdida,
o pontapé na cultura,
a gentileza esquecida,
toda a falta de altura
no poema ficaria feio.                                         


Inês Leitão

Boca bilingue



a minha solidão come-me.

a minha solidão come-me e mastiga-me e vira-me ao contrário com a língua para me ter melhor.

a minha solidão gosta de me ter bem ( não é apenas ter-me, é ter-me bem) e gosta de dizer-me sua por laços de afinidade patológica.

a minha solidão não me abandona porque a minha solidão é corpo, é mãos, é dedos dos pés: a minha solidão é braços e pernas atados ou sou eu sozinha dentro do meu corpo, a olhar para mim de olhos vermelhos como quem sabe o que sente.

(*Para Pedro, que se tornou o meu grande amor.)




 
Isis Dias Vieira
 
A OUTRA


“Intrusa
Aventureira
Oportunista
Amante
Destruidora de lares”
- Fingidos amores
Mantidos
Mesmo carcomidos.
Con/tudo ama
Sofre
Faz feliz.
Compreende
Não reclama
Sorri sempre
Não chora jamais
Pois aprendeu
A se contentar com pouco.

Acostumada
Ao atravessar tormentas
Sabe esperar
Partilhar o amor
Que deveria ser só seu.
Por imaginar
Não ter qualquer direito
Tem sempre o ciúme
A doer-lhe o peito.
Por sentir temporário
O amor que recebe
“Se produz”
Mantendo acesa a chama
A beleza que o seduz.
Ama
Sofre
Compreende
Vive de esperança.




Izabelle Valladares

Gritos de Mulher


No cortante silêncio Noturno
Eis que clamo por diretrizes ao destino.
Destino este que  em tramas se compuseram  em nós
Desfez esperanças  ao entregar-me ao oculto algoz.

As mãos que antes leves acariciavam o âmago,
Despertaram a ira que desespera,  inflama,
Dor, raiva, ciúmes, vazio, asco, discórdia
Luta continua pelas sobras que foram entregues a nada... a lama.

Olhos quentes, ar que falta,
Dor que cisma em atingir como a faca,
Mãos malditas da boca bendita que insisto em amar,
Oh, quão infeliz fui, em render-me a poda das asas do amor,
E mergulhar no infinito poço de amarguras que me afogaram o vôo.

Porquês  hão de ecoar  no infinito do meu ser...Mas que ser?
O que sobrou de quem fui eu, se eu só fui  você?
Violência, porque ? se só lhe dei amor,
Dor por quê? Sesó lhe dei prazer.
Antes a paixão explodia medida em rastros,
 Hoje Explode em dor, sem argumentos, sem chances, sem força!
Sangue, fúria, amor? Como assim amor?
Não posso chamar-te amor... Assim, chamo-te meu, na ilusão de ter-lhe a posse.
 Porque?
Suspiro sem dor, sem pensar em algo mais,
Queria se pudesse, sonhá-lo e refazê-lo,
para que pudesse por apenas um segundo odiá-lo!

Meu Grito, inaudível, interno, dolorido,
O ultimo, dilacerando e buscando quem um dia fui,
Amando-te, perversamente ... amando-te,
Pela ultima vez respiro,
Exalo o ar de Minh’ alma.
Te olho na fresta da pouca luz que ainda me chega
Aos olhos inchados,
Morrendo, perversamente... e odiando-me desesperadamente!



Lara Guerra


Alguém


Alguém me chamou “menina crescida”
Alguém me deu o arco-íris para eu brincar
Alguém me deu a face para eu beijar…

       Esse alguém trocou a minha tristeza por vida
E…
        quando eu já ia a caminhar
                                     alguém me pisou
E…
          deixou ficar caída




Licínia Girão


Mulheres


Somos sensatas primaveras
Amores-perfeitos
Beija-flores
Gritamos ao vento que amamos
Acasalamos enamoradas
Dobramos cabos de esperança
Abrimos caminhos em matagais de infernos
Vertemos lágrimas salgadas de tristeza
Sofremos em melancolia
Nossos sentimentos são ousados
são poesia
Somos musas de poetas
escritores, escultores
pintores, músicos e bailarinos
Entre lençóis somos magia
No ventre geramos vidas 
Encontramos flores no deserto
Lançamos fogo ao mar
para salvar nossos filhos
Somos perfume
Companheiras, amantes
Somos mulheres




Liliana Lima

Essa não sou eu...

Pensavas que era eu aquela com quem gritaste e gesticulaste e mal disseste e agrediste e mal trataste?
Ahh, quão enganado andas tu.
Eu não era aquela. Eu nem lá estava, lá estive ou estou lá. Ela, a tal que te olhou com olhos tristes e ainda tentou chegar a ti (erro crasso, estás a anos luz), essa coitada, como o pinguim do livro [1] que já contei vezes sem conta em escolas e escolas e bibliotecas e feiras cheias de gente, essa ficou completamente desfeita!
Mas não eu. Eu não estive lá, nem por lá passei. Eu estou aqui inteirinha a olhar para o pinguim/menina desfeita por todo o mundo. E claro, já sei que sou eu quem vai palmilhar as estradas e os caminhos e os mares e os céus até a reconstruir, a menina/pinguim a quem tu gritaste. Irei, como sempre fui. Com carinho, com paciência, com "uma linha feita de amor e uma agulha feita de perdão" recolher peça a peça, e depois coser a boneca que se endireitará novamente, vestida de pinguim.
Ah! Pensavas que era eu.
Mas eu há muito que aprendi a estar onde não estou, a ser o que não sou. Não, não era comigo que gritavas, gesticulavas e magoavas. Era contigo e com a menina/pinguim que tu imaginas de mim, no mundo onde só tu entras e que só a ti faz sentido. Acho que aí, desse lado do véu que divide os nossos mundos, apareço pintada, maquilhada e mascarada (de pinguim).
As flores acompanharam a minha surdez, as árvores ajudaram à minha indiferença e até o vento me incentivou a continuar a andar, subindo a rua. Deixei lá a menina, aquela que se desfaz com os gritos, mas sei que a consigo arranjar - consigo sempre. É que essa, por mais que eu tente, não se consegue afastar sem carregar o peso insuportável da culpa, da dúvida, da pena, da tristeza. E por isso lá fica, ouvindo os gritos que a agridem, e por fim a deixam completamente desfeita...

Parto esta noite, logo a seguir ao jantar, levo a linha e a agulha e um cobertor para a embrulhar. Não sei quando volto, posso demorar, mas no fim voltarei reconstruída.



Luísa Demétrio Raposo

UM TEXTO HÚMIDO
O sexo é poesia e todos os recantos de um corpo são poemas, acendendo-se mutuamente, nas bocas, na perfloração dos poros em anais que unem-se e dilaceram-se obsessivamente nas avenidas arpoadas do prazer.
Nos meus poentes olhos, molhando em mim metáforas e os úteros imortais do sangue ao encontro da carne. Hálitos, em cima, pulsando, repercutindo-me entre o abandono e a cortesã personagem que por mim inteligentemente se ia congeminando. O pensar sangrando, irrazoável, obsessivamente pelas palavras renascidas em cios que gravitavam pelos (meus) equadores baixos, em ondas que se iam estilhaçando e escorregando pela natural desordem que é o meu corpo.
  Entre o abandono e a entrança, na linguagem, que existia em cenários, sem gestos, nas falanges, as perspectivas, o acolhimento, as pálpebras. Gôndolas iluminando-nos por uma extensiva inspiração, decorrente, nós duas um rio de sangues, irrigando, irrigando-nos, escutando as palavras assimétricas, descendo húmidas pelo latejar, nos alambiques orgásticos. A semântica, potente, goza o armado dentre os lenços vulvares.
Cheira a mar, as mãos remam para possuir a trilha purpura das águas, ferozes e impacientes entre as queimaduras escarlates onde se respira depressa. Os verbos estão vivos, abertos e descobertos, que ardam todos, sobe manete, na mão que implanta o poder de inchar a carne, na poça em que os dedos se despedaçam e invejam os rastros nas bocas.
Os licores em sementeiras, arregaçam-se. Acetinados. Marginam, marginam, acetinando entre as vaginas que iam entardecendo o rejuvenescer. Os sexos, o fogo em arcadas e imolações sobre o ferocidade, o espargir sonhando mel e no arder a vida a morder-me em toda a minha húmida carne. A malícia em arco. A largura da minha boca na largura do charco. No grito indígena, o rasgo é o mundo onde o meu cio acontecia e entrava num patíbulo, no foder, o ar permissivo. Orvalhando-me, o saibro, as cíclicas mãos, apalpando dentro em mim memórias, viagens, as outrora fundações de um outrora pénis profundo, em noites bravas e infinitas a horizonte onde outrora um Eros retirou um potente e duro tesão.
É amargo, o deserto que a pele concede á luxuria, a que se ergue e me morde, tropeçando em algures, aqui e acolá, algures que serpenteiam entre a vagina, gemente.
Odores na revolta, o latejar brunido é um segredo fêmea, foi sempre, entre os caules húmidos, escondidos na íntima nudez, no infinito da rosácea, onde se encurvam as mãos e os sexos empolados se encharcam e abrem irradiações inexplicáveis.
O sol túmido, ardente e longo, é dor enquanto arde ateando o barro violento e alto das coisas a maravilharem-se. As bocas, uma só língua, açulada, lambendo, bebendo, sugando os sítios, a saliva que brota de um solo, panteão.
O texto, a memória costeira da boca em desequilíbrio, nos círculos nómadas, as cartilagens gemendo para lá das minhas cisternas interiores onde não se ouvem gritos mas tão-somente um amargo gosto a lanha e escuridão, na secreta via onde o paraíso vira noite e o sangue a desmata oblíqua entre a voz rouca que a pronuncia.
A beleza de braços abertos entre o respirar cru, cíclame, aberto e desperto nu na boca que ferve e que ama toda a matéria explícita.
Acende-se o meu cheiro, nela, e se evapora dentro alimentando-me o percurso feminino desde o fundo lago até á minha faiscante varanda onde juntas pintamos os céus e o amor que ilumina os sentidos a ir e a vir, nas paisagens escarlates onde o delírio celebra êxtases.
Ah, os seios dela, anelantes disseminando-me a língua. Os seios dela, gumes, em copas escancaradas, as auréolas bárbaras, na língua que tremia e no mamilo lambiam, lá onde os dois cumes eram de leite e cheios de tempestades salgadas.
 A cama, em cada poro, nela os meus órgãos cresciam e as rotações bobeavam as duplas silhuetas, juntamente, secretamente nos sexos felinos, crepitando-se, aveludadas, as virilhas repletas de tinteiros e de prosas em sanha, gota a gota, as duas púbis suadas. 
Nas veias, a chama, irrompe, a vertigem, trilhada, o meu endereço amante, o epicentro do equilíbrio e o desequilíbrio à nossa volta, a precipitação e a bigorna sem rosto, a cópula.
Abrindo-se em travessias, a vagina desnivela-se em palavras e prosas, linhas e núcleos, pólvoras, golfadas e lanços nadando, nadando entre águas minadas, entrando nas duplas ancas contorcendo o mundo húmido, vibrantes, vibrando, vibrando, vibrando, vibrando, entre o espaço e os dedos navegadores em debate.
A memória bruta de um naufrágio, a imagem das suas entranhas esmagando-me.
 Seda, a carne, encostada à página inteira, na escrita que se vai fixando e se vai fechando a cada onda orgástica, a cada profundo nó, as trevas, o enxofre cai nas margens, iluminando a ceifa e nós, abertas, nas espasmódicas respirações, num cais, ateando toda a memória atenta, avassalando nas frases a frase.
O cio a desmoronar-se onde os buracos fervem e nos abrasando não só a Alma, mas também toda a carne hasta.




Madalena Mendes

Interidentidades e atravessamentos
Olhamos para as razões femininas/masculinas com o olhar de agregação e de coalescência com que enxergamos a pluralidade compósita das dimensões (ou idimensões, como diz o poeta) da vida.
O que queremos dizer é que para falar de Heloísa temos que falar de Abelardo. Para falar de Saramago temos que invocar Pilar. Para dizer Blimunda temos que ressuscitar Baltazar Sete-Sóis das garras escaldantes do Santo Ofício. Para entender a tessitura do manto de Penélope temos que fazer regressar Ulisses. E para entender o silêncio platónico do amor temos que repetir a entrega silenciosa de Dante e Beatriz.
Estamos situados no campo das inter-identidades e na transmutabilidade das mesmas. É na capacidade de abandonar o envólucro etnocêntrico em que fomos forjados como mulher/como homem e no simultâneo conjugar da pluralidade homem/mulher que reside a possibilidade libertadora de conceber novos mapas emancipatórios.
Amamos, em nós, feminino-masculino, enquanto potencialidade criadora. Ao ponto de, na obra criada, se espelhar a migração de um para o outro. Na assunção de que, enquanto feminino e masculino, não nos anulamos, mas nos reforçamos na nossa existência, em relação. "L' un est l' autre", diz Elisabeth Badinter. Pressentimos que o nosso caminhar conjunto nos pode levar muito longe, nos avanços civilizatórios. Na aposta dos interconhecimentos. No resgatar das razões silenciadas e anoitecidas. Na libertação das vozes oprimidas, porque a emancipação da mulher é também a emancipação do homem. Uma é a outra.



Marcella Reis


UM HOMEM FELIZ...


Um homem feliz sabe que...
A mulher é um vento que sopra airoso
A encher os pulmões do mundo
É uma joia brilhante que enfeita de riqueza
E torneia em força os braços masculinos

Um homem feliz sabe que...
A mulher é a flor que torna o coração num jardim colorido e
que perfuma as partes mais  quentes  do corpo,
[Ah! O pulso, as orelhas... O antebraço]
É a nota suave escondida entre as teclas em preto e branco de um piano que franze e costura a música mais bela para dentro dos ouvidos

Um homem feliz sabe que...
A mulher é a generosidade de um ventre que
se transforma em casa para abrigar um frágil feto
É o seio que se doa em deleite sem negar o leite ao amado filho
É o sexo escondido em todo o mistério do seu corpo
como toda a sua alma complexa e sem complexos

Um homem feliz reconhece que...
A mulher é a solene alegria de saber ser triste
A sua voz é o bico e as asas de um rouxinol  que
acalentam a face chilreando conselhos que
saem como uma melodia matinal
A sua sapiencia é a sensibilidade
Os seus lábios são travesseiros que abrigam no estalo de um beijo
toda a sua ternura feminina
A mulher é barro nobre esculpido pelas mãos fortes do homem
Por isso, homem, muito cuidado quando quebrares um vaso aparentemente frágil
Pois dentro dele pode estar uma mulher
e nela a metade de sua costela

Um homem só será feliz se compreender a simples verdade de que
A mulher nasce para brilhar e
o homem nasce para não deixar que o brilho dela se apague...




Maria Dovigo


Tempo interior


Por alguma razão que me foge,
sinto-me perto da génese das coisas.
O momento da conceção,
a semente a eclodir no escuro,
tu em mim,
no nascer do mundo.

Sou uma adepta da lentidão
e do segredo.
Tenho a consciência plena
da matriz em que tudo é gestado,
lentamente,
secretamente.

Nada nasce antes da hora,
nada nasce da luz,
ainda que por vocação da luz nasça.





Maria do Sameiro Barroso

O corpo, lugar exíguo





 

O meu corpo aguarda as aguarelas

dos teus olhos,

sobre telhados, chaminés.

Conto as horas, os dias, os minutos,

a recitar as harmonias improváveis,

 pulsando nas estrelas.

Existe relva nas cidades,

existe algum verde nos teus olhos.

Existem pombos.

O teu olhar atravessa-me.

Tudo é sublime

no terno coração do asfalto.





Luísa Demétrio Raposo
Além Tejo, 6 De Setembro 2013

A carne trémula o liberta à espera de palato, da língua, da boca atenta, suga-se a carne ora pelas costas ora ela ponta do orifício e lambe-se o alvoroço abertamente escuro
As curvas afastam-se e deflagram fogo, alastrando-o para lá do limite que desequilibra a ordem viva do sangue. Das forças, as linhas agarram-se vivas. Entre o gozo. Entre a flora ininterrupta das larvas lanhas em eclosão. A dor serpente percorre-me dentro da escura lagoa negra, estrangulando-me a carne, desabotoando todos os sítios nus, arrancados ao odor intimo, em declive, onde o amargo se despenha e inclina, o mesmo amargo onde as vírgulas imergem, na desfloração das inúmeras bocas que um corpo feminino possui."



Neide Baptista

COLETANEA DE POEMAS
DA MENINA DA LUA

1
Na terra da menina
As sementes germinam Saúde e Prosperidade
As águas brotam Amor e Felicidade
Os ventos sopram Paz e Liberdade
E o fogo Aquece e Ilumina a humanidade

2
Nascemos meninas
Crescemos femininas
Somos estrelas que brilham vidas divinas

3
Sob o céu estrelado
A lua vem dizer que ao amanhecer do sol
o desejo da Menina vai acontecer

4
És nova e criança
Crescente uma linda adolescente
Plena eis à mulher
E quando senhora, sabia da sua experiência


5
Sonhos que encantam
Poderes que transformam
Luz que ilumina
São mistérios de menina

6
Lá na lua mora o sonho de uma menina
Nem os momentos difíceis os fazem minguar
Sua força e coragem a fazem nova para continuar a sonhar
Crescente e belo seu sonho se tornará
E cheio de luz irá brilhar

7
... Então o Uirapuru anunciou
A lua nova iluminou
A menina acreditou
E o sonho se realizou






Sibila Aguiar


O meu Poema




O meu poema não nasceu ainda...

O meu poema está na voz das mamanas de macala

Que gritam esganiçadas e derretidas de calor,

O meu poema está nas palmeiras à beira mar...

E no silvo das cobras cuspideiras

Que rastejam na terra escarlate...

O meu poema, o meu poema...

Está no estender de mãos dos mendigos do cais,

Cobertos de feridas e rodeados de moscas...

O meu poema está nos batuques,

E nos tambores que transmitem mensagens ao luar...

O meu poema, o meu poema

Não nasceu ainda...

Está no canto das aves selvagens,

De nomes ainda desconhecidos...

Está no pólen das flores tropicais,

E anda à roda nas voltas da vida...

O meu poema... O meu poema,

Está no apitar dos navios que partem...

No palpitar dos corações...

E no gemer do quissanje misterioso e quente do luar africano...

Um dia o meu poema será cinza...

O meu poema misturar-se-á com a terra...

E dele brotarão as flores mais belas,

E andará em todas as bocas...

O meu poema nascerá então!




Sónia Sultuane


Liberdade




Quero ser a areia que cobre
Apressada o corpo desnudo do universo

Quero assobiar aos pássaros
A música despida dos ventos

Baloiçar no luar despreocupado
Fugir das mãos das árvores pregadas na terra
Soprar o meu nome escrito na areia quente do deserto
Voar abraçada nos dedos dos pássaros para bem longe
Sem deixar marcas ou arrependimentos




Vera Novo Fornelos

Quem eu era já não sou


Quem eu era
Já não sou
E quem eu sou
Renega existir
Quem eu era.
Mas quem eu era
Deseja te conhecer
Anseia preencher
A solidão aprisionada
No teu olhar poético.
Mas quem eu sou
Prefere nem te ver
Não quer sequer saber
Da paixão encarcerada
No teu espírito inquieto.
Quem eu era
Já não sou
E quem eu sou
Não pode coexistir
Com quem eu era.


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